Fantasma da Solidão
Hoje eu não vi o meu fantasma da solidão; aquele que me acompanha para me dar o suporte de um peso que carrego sem perceber e ao mesmo tempo reclamo dele.
Hoje não o envolvi nas minhas declarações ameaçadoras, nem o afoguei nas minhas mágoas poéticas, apesar de que, quando eu não o faço, ele sempre faz por mim, involuntariamente.
O meu fantasma manteve-se oculto hoje e não veio participar das minhas menções degradadas sobre mim mesmo, não me deixou a mercê da negatividade e nem se estendeu em permanecer por perto. Talvez ele precisasse de um descanso, tanto quanto eu preciso. Cuidar de mim cansa... Eu que o diga!
Hoje, dia tão igual quanto todos os outros, o meu fantasma da solidão não me deu margens para enraizar-me no meu discurso de sempre: vitimado, pessimista, retrógrado, problemático. Deixou-me livre e saiu-se livre de mim por algumas horas, durante as quais não me senti eu, como o sou geralmente. Senti-me outro, não mais leve nem mais sereno, tampouco mais angelical (faz muito tempo que não tenho mais motivos para sentir-me angelical), apenas senti-me inerte (mais que o normal); hoje eu não tive os instantes de pálida reflexão sobre o meu dia, as pessoas que dele participam e as cenas prováveis ou improváveis, como costumeiro.
Hoje não me foi possível tornar-me algo diferente, como também é do meu costume, para tentar apagar os traumas do julgamento prévio sobre o que não sou. Não pude ser como a cobra, quieta e calma enquanto não-ameaçada, nem pude ser o crocodilo, que ataca quando tem fome ou quando tem raiva.
Eu sobrevivi hoje, definitivamente, sem a ajuda do meu fantasma, ele não apareceu.
Ele é quem me faz companhia, é meu amigo nas piores horas, está comigo nas etapas mais introspectivas, nas viagens desérticas que faço; minha música, minha dança, minha poesia, tudo ele é. O motivo que me faz sorrir de verdade, chorar de verdade, sentir saudade, frio, calor, ódio, paixão ou amor... Ele me faz sentir tantas coisas! Conversar com ele, como faço agora, é uma terapia para mim, pois sem ele já teria enlouquecido. Jamais teria avançado; fui criado para sentir-me sempre mais confortável abaixo das “asas protetoras” da mamãe. Ele, com toda graça e sutileza é que me induz a comer e beber, a dormir e a acordar.
Esse fantasma suntuoso, cuja razão de existir está centrada unicamente na minha existência (pois sem mim, ele também não se sentiria útil), é quem me inspira para compor belos versos que se transformam em canção, que me possibilita entrar no mundo dele e tirar de lá as coisas mais profundas e proveitosas para que eu possa apresentá-las ao mundo de maneira sincretista, mesclando por diversas vezes, o que é dele com o que é meu. Não preciso deixar espaço para que o conheçam.
Mas hoje, ele não apareceu.
É só uma citação, é a primeira vez que isso acontece; estranho, justo eu, consegui viver um dia da minha vida sem o guindaste do meu ânimo, sem o elevador de minhas razões para fazer algo... Talvez seja possível mesmo que eu tenha uma vida própria, com desejos, ansiedades, utopias, sem a prisão á algo ou alguém que me guie e faça-se modelo para que eu siga. Acho que começo agora o longo procedimento de conhecer uma nova fase da minha vida: a existência do EU: esse EU que até agora não consegue sequer escolher um belo par de sapatos sozinho.
Agora, neste minuto poético, ele está aqui comigo, vendo tudo, lendo tudo, escrevendo junto comigo; será, no entanto que estará comigo daqui a algumas horas, quando eu sair do sono e do sonho e vier novamente para esta coisa amarga, dolorida, filosoficamente chata e estressante, chamada Vida Real? Estarei sozinho novamente para tentar enxergar as possibilidades de vida agradável, frutífera e proveitosa, sem patrocínios?
Fábio Sabath
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